quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Liquidez

Tinta escôo
Ano adentro
Noves fora

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Lição dum belo homem ao calor da lareira

Preguiça e umidade
Inverno vira frieira:
Coceira gostosa

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Dutra*

A primeira vez não era dia ensolarado no Recife ou noite escura em Petrogrado: ela, sobrevivente, apoiada em meio fio de razão concreta; ele, manco, escorado em muleta ideal. A segunda, a terceira e a outra ordinariamente iguais. No dia do vendaval, a casa caiu. Faltaram pernas, faltaram braços, faltaram bocas e cabelos e olhos e orelhas e unhas e ânus e sêmen e seios e sol e chuva e chão e cama e nucas e narizes e cheiros e razão e muleta. Na seqüência e mais além, extraordinariamente, o mesmo. Risco de queda era parte do jogo.
Do chão, pouco passa.
*(de 2002 em revisão)

domingo, 28 de dezembro de 2008

Predileção

Você Inverso
e prosa

sábado, 27 de dezembro de 2008

Condicional

Se cedo a ti é só
Por insistência solar
O lençol ausente

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Breve*

Ser mãe sem metáfora
Porque os girassóis não mamam
E o poema é breve

*(30/03/2003)

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Pedagogia da Opressão

Quem pelo amor não aprende
da dor toma lição,
ensinou avó à neta.

Ela virou professora.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Reminiscência Natalina

Minha árvore genealógica materna cresceu forte sobre raízes e tronco judaicos, de modos que nunca comemoramos, em casa, Natal.
Meu pai, entretanto, não é judeu e, apesar de já ter sido coroinha, nunca encontrei nele qualquer vestígio de religiosidade, excetuando as ocasiões nas quais ele dizia que era “ateu, graças a Deus”.
Sua irmã, por outro lado, tem prazer em receber meus pais, minha irmã e eu para a ceia natalina junto dela, meu tio e primos.
Tia Fátima não é carola. Topou sem neurose, por exemplo, que minha prima e o namorado dormissem juntos.
A despeito disso, eu diria que é uma católica praticante: freqüenta missa, canta no coral da igreja, guarda na cabeceira da cama o terço com o qual ora diariamente.
O aniversário de nascimento de Jesus de Nazaré na casa da Tia sempre me intrigou, especialmente em função do quadro fúnebre que eles têm na sala, com a imagem do Cristo sangrando, coroado de espinhos.
A ausência completa de formação cristã me impedia, definitivamente, de estabelecer qualquer relação entre a tortura e a comemoração.
Outro dia, contei ao meu pai que tive medo de Jesus na infância.
Ele achou graça.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

DDD 021

Os braços do Cristo
Nunca abraçaram verão
Sorte eu ser de carne

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

James, o homem de verdade - Segunda Parte

James parecera sempre, a todos aqueles com os quais tivera contato, sujeito calado e, definitivamente, não era homem dado ao palavreado frouxo.
Injusto, entretanto, dizer que fosse antipático. Não era, embora, à primeira vista, sua fisionomia o sugerisse.
Seus ombros largos cobertos de pele bronzeada, altura extraordinária, olhar vítreo e o meio sorriso, nunca dental, esboçado ali entre os cantos da boca compunham aquele ar blasè do qual a gente desconfiaria até o último de seus dias na Terra.
É certo que uns o tomassem por má figura baseados exclusivamente no despeito à sua vocação sexual inequívoca, cujo reflexo deixavam nítido suas calças baratas de algodão cru sem forro.
Tudo quanto adjetivasse nosso rapaz a este momento, enfim, desserveria, de qualquer modo, a justificar a intimação da garota a seu apartamento àquela mesma tarde, nos quatro minutos subseqüentes à trombada dentro da loja.
Ela freqüentava com assiduidade, desde a época da faculdade, bares e casas noturnas, acompanhada das amigas, e dançava, bebia, fumava com elegância, atraindo olhares e convites diversos.
Desses passeios noturnos, inclusive, decorreram alguns relacionamentos. Dois deles efêmeros, mas divertidos, além dum terceiro mais grave, no qual se manteve envolvida durante cerca de quatro anos, conjugando até noivado.
Em ocasião alguma precedente a este encontro, no entanto, acontecera de convidar tão rapidamente qualquer homem a visitar sua casa.
James foi o primeiro.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Da tempestade

Um dia não a quis sua nunca mais, e ela decidiu enlouquecer.

sábado, 20 de dezembro de 2008

Interpelação de Lídia Reencarnada*

(aos modernos todos)

Não nos sentaremos à margem do Tejo
Ou de outro rio que cruza nossa aldeia
Porque rio nenhum cruza nossa aldeia
Porque não moramos naldeia alguma

*(10/DEZ/2002)

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Desassuntagem*

Hoje, não tem conversa, meu bem.

É dia de samba
E eu hei de chorar.

*(ad infinitum)

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

James, o homem de verdade - Primeira Parte

Conheceram-se numa Sex Shop: BIG PLEASURE!, indicava, ofuscante, o neon.
Ela, obviamente, não era dessas mulheres desfrutáveis pelas quais a gente nutre repugnância e um terço de dó. Era, pelo contrário, moça direita, cheia de princípio. Tomava um uísque e fumava um baseado de quando em vez, era verdade, mas zelava pelo meio-ambiente, tinha lá uma fé ao seu modo, acreditava em ética e não votava no PSDB.
Sucede que um dia, com a mulherada do escritório - era atendente de telemarketing; e não que o fosse por falta de opção, mas, com seu british english, no Brasil, ainda parecia preferível encarar o helpdesk da HP às horas/aula na Cultura Inglesa -, fofocava sobre os homens.
Divertiam-se todas, discorrendo acerca de seus trágicos relacionamentos com toda a sorte de homem - e mulher, que Tânia, gerente, era sabidamente lésbica, embora falasse sobre seus amores veladamente, num tom sem gênero nem artigo.
Por que coxa, se bonita – perguntou alguém aos finais d’algum século ido, lembrou. Quanto a eles, eram feios se inteligentes; prepotentes se bonitos; impotentes se gentis.
Antes só e fracassada, solteirona entre sobrinhos e cunhadas e irmãos naquelas intermináveis macarronadas dominicais, percebeu-se ali uma forte. Resistira bravamente às agruras românticas pelas quais tinha passado, apesar duns quilos ganhos e soluços madrugais, enquanto a colega na baia vizinha, confessava em tom dramático, tentara suicídio duns seis jeitos diferentes numas três ocasiões.
- Homem na minha casa, hoje em dia, tem de vir com uma garrafa de Black Label, um pacote de cigarros, e ir embora antes do galo cantar, declarou Maria Luísa, a moça, aparentemente, mais dada ali.
Rindo, às lágrimas, concordou. Intimamente, no entanto, sua verdade vinha à tona e era justamente esta: sensação alguma é feito aquela provocada por uma boca desejosa ao pé do ouvido, acompanhada duns ombros largos sobre os quais a gente se recosta e desfaz.
Ao galo cantador, a colega despachada emendou a recomendação dum vibrador: Encontra-se em qualquer Sex Shop e, na hora do aperto, não há melhor consolo.
Meio pela graça, meio em função do aperto, empurrou a porta de vidro e adentrou a loja dona de si, respondendo com sorriso à autômata gemida feminina dada pelo sensor sonoro à entrada da clientela. Assim, de peito aberto, entre ícones da literatura erótica, clássicos do cinema pornográfico, estimulantes sexuais e apetrechos tecnológicos multicoloridos com utilidades inimagináveis, topou contra o ombro dele.
Seu nome era James.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Dos meus Cem Anos - II*

Nasci bibelô no verão de mil novecentos e oitenta e dois, na Boca do Lixo, como observei antes; e, excetuando escola, arroz aos pombos no Pateo do Collegio, incursões ao Cemitério Israelita e viagem anual ao Rio de Janeiro, fui criança de apartamento, por razões aparentemente óbvias.
No ano anterior ao meu nascimento, faleceu Victorio Albala, meu avô materno, vítima de complicação gastrintestinal sobre a qual não faço idéia.
Consta que, em virtude do episódio, minha avó perdera sua vocação à vida, recebendo com indiferença a notícia de que uma de suas gêmeas, casada à revelia com militante comunista pé-rapado, engravidara.
Não sei bem como aconteceu de enamorarmo-nos uma doutra. Os familiares mais dados ao romance melífluo falam largamente em amor à primeira vista. De minha parte, acredito mais noutra composição, desconhecida ou soterrada por artimanha subconsciente.
Tendo Freud abotoado o paletó, explico eu.
Na cidade de Alexandria, Fortunata fora, entre seis irmãos e uma irmã, mulher mais velha, por cujo pai, senão nutria, expressava predileção.
Acontece que, dada à adivinhação, a avó menina leu dentro duma xícara de café turco a morte do velho escrita em pó, e o ocaso, implacável feito seu primo destino, foi responsável por dar cabo ao homem no dia seguinte.
Em decorrência do trauma, sujeito algum, excetuando uma pessoa só, a ouviu falar grego, sua língua paterna, outra vez.
Durante a semana, fardada a freqüentar o banco escolar, dormi sempre em meu quarto, a uma quadra da casa de minha avó. Ao cair da tarde de sexta-feira, entretanto, meu espaço narrativo era lá.
Rua Frederico Alvarenga, número tal, apartamento tal. Não guardei o endereço da casa dos meus pais, na qual eu, efetivamente, morava, e não digo o número de telefone da Dona Fortunata porque é, ainda, senha de acesso a minhas contas bancárias.
Importa contar que nunca senti inveja das outras crianças, as quais, à rua, tinham taco, peteca, futebol e pique-esconde.

Boa memória não figura entre minhas maiores virtudes, mas lembro que a casa da Nona era mágica. E ela falava grego dormindo.

*(escrito sob contribuição valiosa de Esther Michelina Albala Habif)

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Dos meus Cem Anos - I

Cresci numa residência situada à Rua Frederico Alvarenga, no centro de São Paulo, tendo como vizinhas a Secretaria da Fazenda, cujo prédio abriga hoje o Poupatempo Sé, e a casa da minha avó.
Os edifícios antigos, que contam lá hoje seus mais de cinqüenta anos de construção, têm unidades residenciais amplas, como era o caso daquele no qual morava a Nona.
Fortunata Cantoni Albala era o nome de minha avó materna. Nascera no Egito, filha de imigrantes gregos, e assistira à emigração de seus irmãos: Oriente Médio, Europa, América do Sul.
Casada, dirigiu-se à Itália com marido e filha primogênita a tiracolo, quando a perseguição aos judeus tornou-se, no Egito, caso institucional.
Em Livorno, com já três filhas e marido, jornalista desempregado, recebeu da irmã, Estela, carta saudosa relatando as maravilhas de Pindorama. Que aqui não se morre de fome, há banana à penca. Que a baía da Guanabara parece arcada dentária completinha. Que São Paulo abriga toda sorte de gente, da egípcia à japonesa.
À recessão italiana, dessa maneira, somou-se a promessa braziliana. Razões suficientes para que a Nona embarcasse, munida de esposo, menina mais velha e as gêmeas, sem primeiro ano completo ainda, a terceira classe dum navio rumo a Santos.
Hoje, aos vinte e seis anos, não constituí imagem sólida do inferno pelo qual essa gente passou durante aqueles meses.
Parte da responsabilidade por minha deficiência imaginativa, entretanto, é da avó que me embalava o sono desafinando graciosamente uns versinhos assim:

Partirà, la nave partirà
Dove arriverà? Questo non si sa
Sarà come l’Arca di Noè
Il cane, il gatto, io e te *



*(L'Arca di Noè é uma composição de Sergio Endrigo. É possível escutá-la aqui)

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Ode ao Marasmo*

Em meio ao mar
Navega um barco
Meio ao mar

E nesse barco
Meio mar
Naufraga coração

Eu.

Que viva o mar
E vivam os náufragos

Há vida; h
á mar


*(de 1997, sob tutela do professor Fabio Weintraub)

domingo, 14 de dezembro de 2008

Hamartia*

Precisava chorar todas lamentações, mas chegou a estiagem. Estancou olhar sob quilômetros de trapos brancos envoltos à cabeça, deu de costas à cidade, criança, amor, cão; seguiu rastro da tragável poeira da estrada, sem filho-bengala, sem pouso à madrugada nem esteira para sesta. Pão amanhecido, ao desjejum asfixiava, não resistia, na boca da esfinge segunda; quisera outrora, e ainda, ser trigo. Que pra ser alimento, não sabia, tinha de prover o tudo, e não suar salgado, e não servir atentamente ao vão (seria, entanto, insólito arrependimento a altura dessas. Tenaz era crença em deus Máquina, longa escalada, injusta senda, cordão do títere. Premeditado inconsciente, sofrimento é sempre roupa ajustada ao que não sobra vontade de averiguar justo motivo de vestir capa qualquer). Desta maneira veio a si a morte, pela deglutidora maravilha desértica: entregue à bocarra monstruosa, pereceu. Dente a dente. E tantos outros cegos o gigante há de mastigar.

*(de 2002, revisto)

sábado, 13 de dezembro de 2008

Outrossim

(a Graciliano Ramos, em memória)

Fosse eu em Ítaca Penélope,
tendo reinado ameaçado,
botar mais água no feijão,

antecipando teu regresso
e tecer colcha dos mil fios,

desfiando toda madrugada.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Arado de arrasto

Desassentada, a gente marcha
rumo à noite adentro
bandeira hasteada

Um mundo de pretos e brancos
ocupa dos carros
lugar na avenida

No pé ante pé descalçado
não existe água
afugentadora

E o passo do povo oxigena
o desterramento
de cada um dos homens

Porque antes de arada essa terra
é dever do canto

tomar o seu solo

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Castidade

O celibato matou a poesia.

Foi quando o primeiro padre
enrabou
A última ninfa.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Epifania

Acorde ao piolho:
Caminha
a passos curtos
sobre a cabeça dum cristão qualquer.

Senhor, acima de todas,
INVERTEBRADO ONISCIENTE
deves ser
lêndea andarilha,
poema,
O Verbo.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Poema de ninar semente-idéia do meu filho*

À névoa branda de morno vapor
Cheiro de baunilha, creme de sonho ancestral
Produz, sob encomenda, bala de goma colorida,
Róseas bochechas e lácteos bracinhos
A fábrica etérea de um bebê imaginário.

Uma fralda-madrinha branca
Vela atentamente o sono infantil:
Nana em paz, neném, que o Bicho Papão já morreu de susto
Ao descobrir que o mundo é um móbile rodopiando
suspenso sobre seu tenro bercinho.

*(31/03/2003)

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

A Juarroz

o primeiro momento na vida é nascer,
o segundo momento é morrer.

Três momentos encerram a vida:

nascer
morrer
uma Flor.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Profecia

Do tombo, erguido
Ozônio primaveril
Renato, verás

sábado, 6 de dezembro de 2008

Justa da Infâmia Poética Medieval - I*

O Último Apelo da Donzela Sofredora

De que valem minhas rimas
Se eu não te posso haver;
Eis-me aqui escarrando versos
Sem motivos de o fazer.

Metrifico em vão intento,
Animália a rimar;
Morrendo em esquecimento,
Procurando teu olhar

Que martírio a mim consome!
Escrever e te esperar...
Vem logo, me agarra e come
Que é pra acabar com essa lengalenga, seu desgraçado.

C.

O Trote Abusado do Varão Salvador

Salvo-te! Ó minha querida
Sem sequer pestanejar.
Coloco-te em minha vida
Sonho-te num altar.

Com meu elmo e armadura,
Minha espada e meu escudo,
Defender-te-ei, ó pura,
Dos males e de tudo.

Faze-me teu primeiro,
Oh, donzela sofredora.
Tomai o fogão e a vassoura
e o tanque de roupas e fritai um ovo pra mim que eu tô com fome!

Jr.

*(Duns anos atrás, contra Manoel Jr., amigo querido)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Fração de Segunda

Soma corpos
Um quarto
De metades

Debalde multiplica-
ção: sempre partes
no final das contas

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Ciúme

Me vem essa agonia
Num repente sem demais
De não te saber como
Quando, Onde
sequer só.

E custa a ponta do cigarro
-Cinza, a única certeza
Depreender-se pó resoluto
compacto nó.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Merda*

Subconscientemente suína, arraigada àquelas tripas alheias quaisquer, doou-se ao chafurdar completo e viceral, peristalticando tortuosa e duodesordenadamente em companhia de verminoses e nós e visgos diversos ao longo do decorrer digestório de finita eternidade intrabdominal. Delgada e resolutamente entregue à involuntariedade muscular, vagou através dos intermináveis confins excretórios, apelando ardorosamente por absorção, ao que recorrentes esfincterinos nãos obteve vomitados. Fortaleza de barro, à purgação resistiu enquanto pôde, e não mais além. Bolo ao relento, flor em fécula então, descobriu-se anaeróbica. Ressurgiria, depois, alimento outro; matéria em desvairada putrefação.
*(de 2002, revisto)

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Ódio

Da última lágrima
Vaporizada
Sal.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Catábase

O Homem
é o omen
do homem

domingo, 30 de novembro de 2008

Jogo da Maria Clara

(ao pai brincante)

Pinta e borda, um de cada,
brinca, ri e nunca pára
uma menina levada
de nome Maria Clara

Olho em todo movimento
que é pra não se machucar
Clara é feito cata-vento
em rodopio no ar

Os seus olhos bem pretinhos
são dois baús de segredo
tem pipoca e passarinho,
todo tipo de brinquedo

Era uma vez, faz de conta
uma historinha assim
do começo até a ponta
só alegria até o fim

E o final é de mentira
porque a história não termina
o começo você mira

Verso em rima é sua sina!

sábado, 29 de novembro de 2008

Miragem

Por sobre teu ombro
Miro-te a ti. É verão
Nu em pele e pêlo

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Manifestação pelo Direito de Acesso à Educação

Assegurado pela Lei de Diretrizes e Bases, o direito irrestrito do cidadão à Educação não tem sido prioridade do Governo José Serra.
É isto, ao menos, o que indica a recusa da Diretora da Escola Estadual Professor Nelson Antonio do Nascimento e da Dirigente da Diretoria de Ensino de Taboão da Serra a disponibilizar vagas durante o período noturno na escola, no próximo ano letivo, a cerca de setenta cidadãos.
Alunos e alunas da EJA, no Termo IV (correspondente ao terceiro e quarto ano do segundo ciclo do Ensino Fundamental) da Escola Municipal Professora Elza Marreiro Medina, tiveram, primeiramente pela Diretora e, recentemente, pela Dirigente de Ensino, suas solicitações pelo direito a vagas na Educação em Nível Médio na Escola Estadual Professor Nelson Antonio do Nascimento negadas, em função de alegações completamente disparatadas, como a de que se trataria ali duma região erma, ou pessoas “estranhas” adentrariam o local.
Dever do Estado e Direito do Cidadão, a Educação tem sido, solenemente, negada a estes sujeitos.
Assim, os Formandos da EJA na Escola Municipal Professora Elza Marreiro Medina convidam todos ao Ato Pacífico em Favor do Direito ao Acesso à Educação no Ensino Médio, a realizar-se quarta-feira, dia 3 de dezembro de 2008, às 16:00 horas, em frente à Escola Estadual Professor Nelson Antonio do Nascimento, situada à Rua Chile, S/N, Jardim dos Moraes, Embu das Artes.
Contamos com sua participação.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Vão

Frente à pontiagudice da lança
serena, multiplico:
somos tronco, pernas
e vaso.

Ecoa o gemido d’água turva,
denso fluido de escorrer
de inundar a concha acústica.

Chá de cadeira britânico


A morte, pontual,
evade pela improvável fresta de mim.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

De filologia, autoria e falta de piscina

Épico ou Lírico, Luís de Camões figura entre laureados olímpicos. A seus Lusíadas, entretanto, sobre os quais discutiríamos se tivéssemos álcool suficiente, confesso minha predileção pelo soneto camoniano.
Sei da confissão-clichê, já que, difundida à larga, a poética camoniana caiu no gosto de nosso entusiasta apreciador do Forró da Periquita.
Este camarada foi justamente interlocutor com o qual conversava a respeito da questão importantíssima que tem, por esses últimos (cinqüenta e quatro mil) dias, tomado tempo duns filólogos cheios de assunto: a autoria contestável da lírica camoniana.
Nosso simpático Caolho da Lusitânia, feito Gregório de Mattos, W. Shakespeare, Sócrates e Homero, cheio de engenho e arte, não deixou à posteridade qualquer legado grafado por si.
Parece bobeira, e talvez seja: o problema acarretado pela inexistência de manuscritos autógrafos para o estabelecimento editorial da Lírica é o de termos baseado seu cânone sobre coletâneas que, muita vez, atribuem autoria dum poema a diferentes nomes, além do mesmo texto apresentar ampla diferença numa e noutra antologia.
Segundo Sheila Hue, doutora nessa área de tamanha envergadura científica, isso acontece porque os cancioneiros foram compostos de formas variadas: eram copiados os poemas que agradavam ao leitor, com ou sem devida autoria; transcritos, como afirma Celso Cunha, de memória, ou eram justapostas todas as versões dum mesmo poema, que agradassem ao copista.
O filólogo Leodegário de Azevedo estabeleceu aí o cânone mínimo, conjunto dos 133 poemas indiscutivelmente camonianos. Seu critério é básico. Tome nota: basta duplo testemunho quinhentista incontestável, desde que apoiado em fonte manuscrita. Para o cânone adicional, composto de 113 poemas, o critério é um testemunho manuscrito incontroverso da autoria. Finalmente, para o cânone possível, de 10 poemas, é a possibilidade da autoria à luz da crítica erudita e sua frágil contestação. Alors, voilà: tudo quanto passou pela peneira é obra de Camões.
A galera mais descolada da filologia, por outro lado, cunhou o conceito de movência, que estuda a multiplicidade das variantes dum texto em coexistência ou, conforme a douta à qual há referência anterior: “testemunha que o vigor da obra se processa justamente em seus renovados encontros com leitores”.
Sobre toda essa riqueza teórica, depreendo duas conclusões:
1) Se Camões tivesse um Macintosh, esse povo praticaria mais atividades lúdicas;
2) Nós também.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Embolada da Maturidade*

(a João Augusto, avô do Gabriel)

O menino é pai do homem
Nesse caso é seu avô
Me é querido seu pivô
Disto, nota, vocês tomem

Veio ao mundo Gabriel
Neto Augusto de João
Agora é que beberão
Na Bahia de Cecéu

João anda todo besta
Em proclamação de augúrio
Grita a Marte ou Mercúrio
Diz que a vida é uma festa

Talvez o destino grave
Os astros ou o Senhor
Por ao cordeiro amor
Tenham enviado a ave

Voadora, sorrateira
Logo escapa da gaiola
Mãe lhe nega mariola
De vovô terá o que queira

Mas a troca não é injusta
Dá o doce e toma aula
De como fugir da jaula
É o preço que baixo custa

E com seu netinho aprende
A importância do brinquedo
Vai largando de ter medo
Já a infância é o que pretende

Desperta assim a criança
No amigo adormecida
Como não fosse crescida
Brinca, pula, ri e dança

Atente a todo esse conto
É também a sua história
Há quem puxe da memória
Uns não chegaram ao ponto

Do princípio até o fim
É a lição à qual me atino
Pai do homem é o menino
Malachei ha malachim



*(ao som dum tamborim)

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Plum-Bum

(a quem o mote é de pertença)

Plúmbea, a nuvem voa.
Avoa assim, feita de chumbo.
E paradoxa, plúvea penugem,
Vagueia ao sul, algodoada.

Em treva irrompe e se diz de
Rarefeitura é feita a nuvem.
Renda no céu, fiada em pena,
Tinta de breu, bordada pluma.

É água, enfim, feito a maré
A nuvem vai, marfim sem sal.
Balão de alvura vultua o ar
Soprada lesta, à força cai.

Se em Pemba chove, é Português,
Não dá no mesmo em Bagdá.
Se japonesa a nuvem é
Do estilhaço, resquício: pó.

Refaz-se após, nublando e mais
Ave no céu, revoa a umbra.
Ao meu umbral, esbarra plúvea
Pomba de Deus, a nuvem plúmbea.

domingo, 23 de novembro de 2008

Idvertência

Ultimamente tenho demorado a pegar no sono, embarcando em divagações sem fim no cais noturno, acerca de assuntos que talvez também aflijam seres humanos parcos feito eu e, além destes, outros, que a mim só dizem respeito, e venho, inclusive, pensando sobre o interesse que, porventura, alguém tenha nessa espécie de mote, porque, afinal, se escrevo, devo ou deveria ter em vista ou mente um leitor qualquer com o qual eu pudesse compactuar, ainda que esteja, deveras, irremediavelmente só sobre meu colchão semi ortopédico, em companhia apenas de cigarros, microcomputador e uma fotografia antiga de minha avó calçada em pantufas cinzas e peludas quando era, imagino, meu primeiro inverno, mas a verdade é que escrevo, num grau patológico, cartas e poemas destinados exclusivamente a mim, levando em consideração uma verdade relativa à perspectiva e minha concepção de que sou também outros, incluindo o Senhor – e a referência é a Deus, porque creio definitivamente mais na existência independente deste sujeito do que na de um leitor onipotente, com poderes supremos sobre aquilo escrito por um homem do qual nunca teve notícia em vida; ou seja, não acredito solenemente em sua existência e tampouco, informo, na divina, embora, de fato, insista, de alguma forma lúdica, em justar contigo aqui, o que nos leva, por conseguinte, à conclusão obtusa de que não me é precisa, assim, a definição da fronteira, se é que existe uma, entre aquilo que sou e não sou mais, isto é: nalguma medida, aglutinei todo o mundo e, possivelmente, com coerência, eu seja você – eis aí o que penso de fato.
Escolhi minhas armas.