quarta-feira, 26 de novembro de 2008

De filologia, autoria e falta de piscina

Épico ou Lírico, Luís de Camões figura entre laureados olímpicos. A seus Lusíadas, entretanto, sobre os quais discutiríamos se tivéssemos álcool suficiente, confesso minha predileção pelo soneto camoniano.
Sei da confissão-clichê, já que, difundida à larga, a poética camoniana caiu no gosto de nosso entusiasta apreciador do Forró da Periquita.
Este camarada foi justamente interlocutor com o qual conversava a respeito da questão importantíssima que tem, por esses últimos (cinqüenta e quatro mil) dias, tomado tempo duns filólogos cheios de assunto: a autoria contestável da lírica camoniana.
Nosso simpático Caolho da Lusitânia, feito Gregório de Mattos, W. Shakespeare, Sócrates e Homero, cheio de engenho e arte, não deixou à posteridade qualquer legado grafado por si.
Parece bobeira, e talvez seja: o problema acarretado pela inexistência de manuscritos autógrafos para o estabelecimento editorial da Lírica é o de termos baseado seu cânone sobre coletâneas que, muita vez, atribuem autoria dum poema a diferentes nomes, além do mesmo texto apresentar ampla diferença numa e noutra antologia.
Segundo Sheila Hue, doutora nessa área de tamanha envergadura científica, isso acontece porque os cancioneiros foram compostos de formas variadas: eram copiados os poemas que agradavam ao leitor, com ou sem devida autoria; transcritos, como afirma Celso Cunha, de memória, ou eram justapostas todas as versões dum mesmo poema, que agradassem ao copista.
O filólogo Leodegário de Azevedo estabeleceu aí o cânone mínimo, conjunto dos 133 poemas indiscutivelmente camonianos. Seu critério é básico. Tome nota: basta duplo testemunho quinhentista incontestável, desde que apoiado em fonte manuscrita. Para o cânone adicional, composto de 113 poemas, o critério é um testemunho manuscrito incontroverso da autoria. Finalmente, para o cânone possível, de 10 poemas, é a possibilidade da autoria à luz da crítica erudita e sua frágil contestação. Alors, voilà: tudo quanto passou pela peneira é obra de Camões.
A galera mais descolada da filologia, por outro lado, cunhou o conceito de movência, que estuda a multiplicidade das variantes dum texto em coexistência ou, conforme a douta à qual há referência anterior: “testemunha que o vigor da obra se processa justamente em seus renovados encontros com leitores”.
Sobre toda essa riqueza teórica, depreendo duas conclusões:
1) Se Camões tivesse um Macintosh, esse povo praticaria mais atividades lúdicas;
2) Nós também.

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