quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Extrato*

Há rumores de que a Rede Pública Municipal de Ensino na qual eu trabalho anda em vias de estabelecer uma dita “parceria” com a Fundação Bradesco.
O projeto, segundo a boca miúda, deve ser desenvolvido na Primeira Série do Primeiro Ciclo de Ensino Fundamental Regular e prevê utilização de material, capacitação de profissionais e avaliação de resultados desenvolvidas pela Fundação Bancária.
Sou professora de língua portuguesa no Segundo Ciclo da EJA - Educação de Jovens e Adultos, supletivo correspondente ao período da quinta à oitava série no Ensino Regular, e não parece que material, capacitação ou avaliação da Fundação do Banco Bradesco cheguem a esta modalidade naquele município, mas, como educadora, entendo que eu deva arcar, tanto quanto qualquer outro profissional de ensino, cidadão brasileiro ou terráqueo, com os prejuízos da instauração do termo que Paulo Freire, visionário festejado também pelos mentores da associação Banco-Escola supracitada, chamou de Educação Bancária.
Dessa espécie de enredamento das esferas do Ensino Público e da Empresa Privada Bancária decorrem muitas e óbvias constatações sobre os meandros funestos pelos quais a Educação caminha e, ao que tudo indica, continuará caminhando por muitos anos.
Entre a multiplicidade de constatação, escolho aqui a mais ridiculamente óbvia, que recai, em princípio, sobre o educador (e, de maneira alguma, indico este sujeito como vítima da situação. O enxergo, antes, parte responsável pelo sucateamento seu, escolar e social, enquanto figura melindrosa e reticente frente a imposições com as quais não há concordância), o cerceamento de seu maior direito, dever e necessidade enquanto ser humano, trabalhador e mediador no processo de aprendizagem do educando: PENSAR.
Dos bons cursos, da boa literatura e teoria, dos próprios discursos de nossos dirigentes educacionais e, sobretudo, da experiência na sala de aula e fora dela, depreendemos a importância de PENSAR a prática pedagógica.
PENSAR cabe essencialmente ao professor e é fundamental para que planeje e estruture sua aula, pesquise e desenvolva materiais pertinentes e provoque, em conseqüência de sua prática, o PENSAR no educando.
Entra aí o material fornecido pela Fundação do Banco Bradesco, naquele método apostilado conhecido nos cursos pré-vestibulares.
Elaborado pela competente equipe pedagógica do Banco, o material pronto se presta, então, a bússola no oceano pedagógico e já não somos mais náufragos: a turma veleja ao norte, definido pelo braço da responsabilidade social dum Banco. A mesma equipe cuida da capacitação dos professores e avaliação, tanto deles quanto dos alunos.
O educador torna-se, então, nosso intermediário entre apostila e jovem aprendiz. O educando, poupança na qual inculcamos tudo quanto definiu a competente equipe bancária, digo, pedagógica do Bradesco.
Vento em popa e mar de azeite: os resultados das avaliações são ótimos. Ortografia, coerência. Agora, a título de verificação ranheta, solicite ao aluno Nota Dez que explique por que sua família corre o risco de perder sua casa construída em área de manancial. Ih, não deu? Então peça ao professor para responder à mesma pergunta. Chi...
E deu no jornal: o mercado de trabalho padece com a falta de mão de obra especializada. Deu no jornal: paralisação na educação por reajuste salarial. Deu no jornal: governador chama professoras de mal amadas.
O não PENSAR empobrece a escola, esvazia o sentido, desmotiva o educando, desqualifica o educador, enriquece o Banqueiro e consolida a Educação Bancária.
Tive conta no Bradesco. Os juros são altos.

5 comentários:

  1. Adoro essa foto de fundo do título do seu blog.
    Que lugar é esse?
    PS: Não vejo a hora de pegar meu celta, espero não perder o emprego: 36x.

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  2. Lamento os maus caminhos pelos quais anda nossa educação. Tenho achado difícil comentar qualquer coisa objetiva sobre o tema ultimamente, pois tenho tido diversos pensamentos e acabei entrando num período de raciocínio e revisão de opiniões, especialmente sobre a minha área: Matemática (e Ciências Exatas em geral).
    PS: Estou trabalhando no ensino superior privado e a situação é bem preocupante.

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  3. Fiz essa fotografia num município mineiro chamado Madre de Deus de Minas, no sul do estado. Também gosto muito dela.
    No final, você desistiu do Uno?
    O Celta é um carrinho bom. Não tem muita estabilidade em curva, mas pra uso diário é ótimo e econômico. O Ka não sairia mais barato?
    Você não acha que temos (e sim, falo de nós dois, profissionais da área!) alguma parcela de responsabilidade sobre esses encaminhamentos da Educação?
    Qual situação é preocupante no Superior? A do jogo empresarial, a péssima formação dos alunos ou a desqualificação dos profissionais? Estamos todos no mesmo barco, essa é a verdade.
    Acho que a classe profissional com mais força é a do professor. Entretanto, ele não quer saber de pensar, ousar. Tem medo... e é aquela história: o medo paralisa.
    Menino Perdido, eu sinto que vivemos num tipo muito esquisito de censura velada. As pessoas têm medo, eu tenho reparado nisso. Não é muito diferente do medo que um vendedor de revista norte-americana teria de ser delatado à polícia stalinista, ou um judeu, de ter sua família delatada aos nazistas.
    Eu posso estar enganada, mas acho que vivemos todos sob uma nova ditadura. Ela não leva o subversivo pro paredão (pensando bem, quantas famílias no Iraque devem ter sido chacinadas?), não some com o sujeito... só tortura. Bem devagarinho.
    As pessoas têm medo.

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  4. Eu tinha 10 ou 11 anos e costumava ficar deitado vendo TV na cama dos meus pais. As vezes vinha todo mundo: meu pai, minha mãe, eu, um irmão, outro irmão... daí não cabíamos todos na cama e eu acabava indo sentar no carpete, perto do criado mudo da minha mãe, esmagado entre a lateral da cama e o guarda-roupas.

    Naquele dia meu pai tava sentado perto do pé da cama. Todos assistiam o jornal - ele, com maior interesse. De repente, chamou por minha mãe, pedindo pra que ela trouxesse os bilhetes da sena. Ele queria conferir os números. Tivemos então uma notícia boa e outra ruim. A boa: acertamos cinco números! A ruim: erramos um... A culpa foi do caçula, que nasceu em outubro: ao invés de 10, saiu 01. E foi isso. Foi só por causa disso que não ficamos milionários. Mas em compensação, pegamos um prêmio que foi suficiente pra comprarmos um carro: Fiat Elba, 0KM, Vermelho, 4 portas... eu me lembro "da" Elba...

    Fizemos então uma viagem. Fomos pra Minas. Lembro como eram lindas as paisagens. Eu adorava ficar lá no banco de trás acompanhando no mapa, com certa ansiedade, os locais por onde estávamos passando. Passamos por Pouso Alegre, depois passamos por Três Corações, depois passamos em Lambari, Caxambu, Cambuquira e São Lourenço. E me lembro que nessas cidades tomamos diversos tipos de águas. A água sulfurosa tinha cheiro de coisa podre. A água ferruginosa era quase intragável. Tinha a gasosa que já nascia da terra com gás. E todas elas tinham seus poderes medicinais.

    Depois fomos pra São Tomé das Letras. Lembro duma longa e poeirenta estrada de chão - linda e ensolarada como a da tua foto - e lá longe uma imensa cúpula brilhante, que era a cidade chegando, em cima dum monte.

    Contudo, não passamos em Madre de Deus de Minas. Que pena! Nem nessa nem na outra viagem, em que fomos até Teófilo Otoni, passando por Além Paraíba, Muriaé, Caratinga e Governador Valadares, e, na volta, por Juiz de Fora.

    Eu lembro que meu pai só falava nas águas e nos cristais.
    E que ralhou comigo porque na volta eu vomitei no banco de trás.

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  5. A questão toda foi essencialmente econômica. A GM tá em crise, o preço do Celta caiu muito.
    R$24.450,00 num celta life 09/09 (0Km), 2 portas, prata, com ar quente, desembaçador, limpa-vidro traseiro e protetor de cárter. Vou dar R$15.000,00 de entrada e pagar 36x de R$ 380,00.
    Mas não nego que, apesar de meu coração-resistência estar com o mille, o design e a visibilidade que o motorista tem de dentro do celta pesaram.
    O Ká nem fui ver, acho que o preço deve tar fora de cogitação pra mim. Sabia desde o começo que seria ou celta ou mille.

    Sim, acho que temos responsabilidade sim. A culpa é nossa. Sempre foi nossa. Só nossa.

    Sim, essas trés, exatamente! - e outras tantas: eu, por exemplo, recebi meu primeiro pagamento (de R$700,00) depois de 3 meses de contrato (e algum trabalho).
    E agora ainda tem esse EAD asqueroso! Infelizmente, não consigo gostar disso.

    "Estamos todos no mesmo barco, essa é a verdade." -> Sim. E tenho a impressão de que ele está afundando...

    Sim, temos alguma força. Acho que tínhamos mais, mas ainda resta algo. Entretanto, num ponto específico discordo de ti: não acho que o professor tenha medo, é que ele é acomodado "mermo"... Não tá paralisado, tá cansado, (mal-)acostumado. Pra quê mudar? É uma classe que colaborou pro estabelecimento do "regime". Isso não será facilmente superado.

    Também sinto essa censura velada. Só, mui humildemente, discordo - como disse antes - em relação ao medo. Medo de perder emprego todo mundo tem, e não penso que isso seja um problema. Mas, novamente, o que eu acho preponderantemente causal no status quo é a malandragem, a malemolência e uma pitada de burrice. Ingredientes abundantes no Brasil.

    "Eu posso estar enganada, mas acho que vivemos todos sob uma nova ditadura." -> Você não está enganada. Você conhece algum partido de direita no Brasil? E jornalistas realmente críticos ao governo e a todo esse sistema podre brasileiro (do qual o sistema educacional é apenas um aspecto)? Aliás a América Latina inteira parece estar sob domínio ditatorial esquerdista. (E não era isso que profesores sonharam por décadas?)

    As vezes eu penso que quando o muro de Berlim caiu e a URSS foi politicamente desmontada, assistimos tão somente o fim de uma batalha - possivelmente ganha pelos EUA -, mas não o fim da guerra.
    Creio que os movimentos anti-americanos e anti-Israel cresceram desde então, e acho que todo um movimento, não inteiramente de esquerda ou russo mas certamente influenciado e com participação desses escombros da guerra fria, opera hoje no mundo, exatamente desse modo que você notou: "bem devagarinho" - aliás, como é típico da esquerda marxista, stalinista e gramsciana: são projetos de longa duração, que atravessam gerações, relacionam-se com movimentos revolucionários, etc...
    Acho que é um grande erro lamentável desejar a destruição dos EUA - com sua democracia capitalista e cristã - e de Israel. Na minha humilde - e talvez tola - opinião, eles são os sustentáculos da liberdade no mundo hoje (ou do que resta dela).
    Pense em Mao, Stalin, Fidel, Chavez, Tito, Hitler, Saddam, Irã, Taleban, etc...você então verá que, numa perspectiva dessas, um George W. Bush talvez seja um monstro sagrado da democracia. (Eu espero jamais ter que incluir Obama na enumeração acima.)

    PS: Eu não sei...eu tenho vergonha de falar sobre política, de expressar minhas idéias, especialmente com garotas: parece queimar meu filme. Vai ver é isso: as pessoas têm vergonha, não medo! E além do mais, parece que eu falei falei falei e não disse nada. Parece que falta muito a dizer e considerar. São assuntos complicados e eu (obviamente) não entendo muito deles.

    "As pessoas têm medo." -> Elas se arrependerão disso.

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