quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Memória do Cárcere

Éramos, enfim, solitários. E enganávamos a nós mesmos, procurando acreditar - por auto-sugestão e implante de provas falsas - que fôssemos os criminosos. A sentença, à qual nos submetemos - porque, antes, réus conscientes - foi comungar uma vida plástica, cheia de tevê, jantar e conta de telefone.

2 comentários:

  1. "Na Prisão da Sibéria"

    Me acordaram de madrugada, era quase de manhã. Umas quatro horas.
    O carcereiro me cutucou no ombro com a ponta do cano do rifle. Acordei de sobressalto, mas logo procurei me acalmar, achando que somente iríamos mais cedo pralgum trabalho árduo e indiferente, nalguma planície desoladora da Sibéria. Me assustei quando o oficial disse para nos enfileirarmos e seguirmos para o pátio. Quando chegamos lá ele nos orientou para que ficássemos de costas prum alto muro sujo e frio, pois seríamos executados com tiros de rifle no peito.

    Chegara o momento de nossa execução! Tremi. Tive vontade de chorar e quase o fiz, consegui conter-me por vergonha, acho. Espremi minhas pálpebras fortemente. Cerrei os olhos e, com as mãos pra trás, procurei pensar em Deus e nas pessoas que eu amei. Tudo muito fugaz e rápido. De repente um estrondo composto pelo eco de vários estampidos de tiros de rifle simultâneos no pátio. Ouvi o barulho de balas ricocheteando no muro bem próximo de mim. Um gelo percorreu minha barriga e meu tórax na ânsia pavorosa de uma dor medonha, subsequente falta de ar e morte. Depois de alguns poucos segundos percebi que eu não havia sido atingido. Teria o rifle falhado? Teria o soldado, bêbado, errado a mira? Notei alguns de meus colegas internos se contorcendo e estertorando no chão, cada um lambusando-se em pequenas poças de sangue oriundas de si próprios. Já dois outros, assim como eu, permaneciam estupefactos, de pé. Imagino que também se perguntavam o que havia de errado. Por que não estávamos mortos junto de nossos colegas no chão?

    Os soldados caminharam rindo em nossa direção e foram logo cutucando nossas costas com os rifles, nos impelindo em direção à estreita porta de saída do pátio, que conduzia à saída do presídio. Já lá fora, a neve predominava e a claridade do dia já despontava. Os soldados voltaram pra dentro do presídio, nos abandonando lá fora. Caminhamos dois dias até chegarmos ao vilarejo mais próximo. Depois de chegar ao vilarejo, dormi uma noite na casa dum bom velho que ouviu minha história e me acolheu. Ao acordar no dia seguinte, fui até a porta da casa observar o vilarejo. Notei de repente que eu chorava. Chorava olhando pruma criança a caminho da escola, que era acompanhada por um cãozinho. Foi então que eu percebi que havia surgido em mim essa estranha capacidade de se emocionar com coisas simples.

    Based upon Dostoevsky's "The House of the Dead", and also Hemingway's short story "A Day's Wait".

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  2. Por isso eles têm trocado o paredão pela injeção letal.

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