segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Canto Oceânico

(a toda criança esperta e adulto que gosta do mar)

Ondulantes e depois, era uma vez de Ilê Ifé, lá na África, um peixe-agulha com ascendência real. Seu nome, dito e desdito, perdeu-se entre nação, onda, continente e cor tanta que a gente, hoje, só a custa de muito esforço chega perto de descobrir. Tristeza porque, como todo mundo sabe, esse tipo de peixe só se aproxima daquele que diz seu nome de verdade.
Sua avó era Olokun, uma velhinha bonita com rosto meio molenga e sorriso fácil. No lugar dos dentes, tinha eram pérolas, daquelas mais amarelas, e uma Estrela do Mar vivinha nos cabelos brancos.
Dona Olô morava num coral cor de rosa e não havia Água-Viva alguma que se metesse a boba de queimá-la porque tudo o que se mexia e bestava parado dentro d’água, da Cachalote ao Pepino, respeitava a mulher. Ela era a Rainha do Mar.
Muito ser do oceano, incluindo a Medusa, que, apesar do nome, às vezes é homem, e o Cavalo-Marinho, que nem homem nem mulher é, era filho de Olokum, mas a Princesa mais famosa desde aquela época é Iemanjá.
Ieiê, mãe de todos os peixes do mundo, era a moça mais linda na Terra, na Água e na Areia da Praia. É certo que tinha rabo de peixe, mas gostava mesmo de vestir uma saia bem rodada, fiada com Alga e carapaça de Mexilhão.
Tinha a pele bem pretinha e uns cabelos muito compridos enfeitados com conchas pequenas de Ostra abrindo e fechando. Além disso, dizem que era cantora e tinha voz capaz de encantar até marinheiro barbudo e bravo com tatuagem de âncora no braço.
De pés juntinhos, na minha última estada em Ilha Grande, um barqueiro sabido vindo lá da Bahia jurou que Iemanjá ainda está viva, mora no Brasil e a gente, em dia ensolarado, fazendo bastante silêncio e prestando muita atenção, pode escutar, perto do mar, a Princesa cantar o nome perdido do seu filho Peixe-Agulha.
Se é verdade, não sei. É bom, de qualquer jeito, prestar atenção em tudo quanto é canto de maré.

2 comentários:

  1. O Peixe-Agulha

    Em São Sebastião, no Bairro São Francisco, numa casinha pequena e antiga, espremida entre outras tantas, um jovem casal cuidava com esmero dos preparativos, imaginava mil objetivos e pensava na casinha como algo definitivo.
    Quando subia a maré a água ficava "a um dedo de entrar pela soleira da porta", e era então que tanto ele como ela ficavam sentados, olhando pela porta aberta, a Ilhabela d'outro lado do canal. E aquele mar imenso de azul lindo, com aquele cheiro marinho que eu adoro e com seu simbolismo espiritual.
    Mas ambos adoravam especialmente, quando mui solenemente, o Peixe-Agulha aparecia. Ele nadava e depois saltava, fazendo mil acrobacias, como se fosse um show particular. Eles batiam palmas e jogavam agrados, ficavam sensibilizados, com sua formosura inabitual.
    Eu adoro o litoral, eu admiro o canal, eu amo Ilhabela e São Sebastião. Quero me perder em Boiçucanga, depois dormir na Tabatinga, tomar batida de manga e dormir olhando uma restinga.
    O mar entrou na casa e o casal fisgou o peixe. Tiveram de se mudar pra rua da creche, perto dos tanques gigantescos de petróleo. Foi quando os tanques transbordaram e vazaram pelo riozinho. Alguém jogou bituca de cigarro e a cidade incendiou. Lembro das pessoas correndo e passando de sandálias em cima da ponte do riozinho. O riozinho pegava fogo e as sandálias derretiam enquanto as pessoas corriam e gemiam conforme seus pés queimavam.
    O Peixe virou Menino. O Menino se perdeu.

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  2. Tive vontade de ter sido quem escreveu isso.
    Você já leu García Márquez, Menino Perdido?
    Responda logo, por favor.
    Carol.

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