segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Da solidão

---Em ritmo de férias, ontem terminei de ler “Sinto-me só”, de Karl Taro Greenfeld, jornalista nipo-norteamericano aparentemente inexpressivo sobre o qual nunca tive notícias.
---Greenfeld apresenta aqui um relato autobiográfico da vida familiar, desde os anos 60 até hoje, em torno de seu irmão mais novo, Noah, um autista de nível severo, ou baixa funcionalidade, conforme descreve o jornalista.
---Embora obviamente não tenhamos em mãos um primor literário, tenho três razões para indicar a boa leitura de “Sinto-me só”:
---Em primeiro lugar, o irmão mais velho de Noah procurou permear toda sua história por informações interessantes e curiosidades sobre pesquisas e métodos relacionados ao autismo em áreas diversas, como a psicologia e a genética. Foi descoberta para mim, por exemplo, a história de que Bruno Bettelheim, exilado nos Estados Unidos da América do Norte ao fim da Segunda Guerra Mundial, inventara um currículo primoroso - e falso - sobre o qual os estadunidenses babaram durante décadas, ou que a teoria de Skinner, relacionada ao condicionamento operante – ou adestramento -, estivesse ainda em voga no que tange a educação de autistas. Ao final do livro, estão incluídas entre a bibliografia as fontes destas informações, às quais deverei recorrer tão logo diminua a pilha de livros na minha cabeceira.
---Não bastassem as informações teóricas, em seu livro, Greenfeld procurou relatar a realidade prática da vida cotidiana de autistas como seu irmão e demais deficientes em instituições públicas de atendimento – ou aquilo que chamaríamos, na melhor das hipóteses, assim – a estas pessoas. Há senhores ali abandonados à própria sorte. Gente violentada, surrada, sem família, sem mecanismo algum de linguagem pelo qual seja capaz de se comunicar. É um soco no estômago de quem, feito eu, leva uma vidinha perfeita e se sente à vontade para criticar os pais cansados de Noah, que não encontraram outra alternativa senão a de internar seu filho num lugar de pesadelo sem fim. Razão suficiente para afirmar que “Sinto-me só” não é nada mau.
---Ao fim – e, se há alguma beleza literária na obra de Greenfeld, ela deve residir justamente neste ponto -, há a catarse, último motivo pelo qual indico a leitura.
---Por meio dum dispositivo literário barato, o narrador nos leva a padecer de sua própria angústia. De repente, somos convidados a compartilhar e fazer projeções otimistas sobre o futuro obscuro de alguém com profundo comprometimento mental.
---Sinta-se só.

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