quarta-feira, 15 de abril de 2009

Eco além do grito: Il Decameron

"La gioia di vivere che c'era nel Boccaccio proviene dall'ottimismo del Boccaccio. L'ottimismo del Boccaccio era un ottimismo storico (...) nel momento in cui lui viveva, esplodeva quella meravigliosa e grandiosa novità(...): nasceva la Borghesia” (Pier Paolo Pasolini)


Decameron toma forma a partir da descrição duma peste avassaladora, motivo pelo qual sete mulheres e três rapazes procuram refugiar-se numa casa de campo. Ociosos, sem televisão ou baralho, nossos jovens desenvolvem ali a trama de narrativas orais cujo conjunto dá forma à obra prima de Giovanni Boccaccio e se presta tanto a paradigma quanto registro documental do ascendente estrato social em germe ali: a burguesia.
No decorrer de seus cem episódios, Decameron transita entre a tragédia e a comicidade, a perspicácia e o erotismo, remetendo sempre à Florença do início do século XIV assolada pela doença. A narrativa apresenta uma construção hermética, na qual cada um dos jovens conta uma história por noite, durante dez noites.
Se me coubesse classificá-lo, diria que tratamos aqui duma novela – de minha parte, mais por questão de afasia que de gênero - de cunho particularmente didático, na medida em que procura desenvolver temas como a libertinagem e a hipocrisia, remetendo à narrativa moral, ratificando, ainda que muita vez por meio da irreverência, uma afirmação sólida do humanismo.
Me dói, desde a primeira leitura do livro, o ouvido. Além da óbvia intertextualidade entre este Decameron e As mil e uma noites, tenho a impressão – diga lá se discorda! - de escutar eco alto de nuances variadas do Decameron em textos feito O ensaio sobre a cegueira do Saramago e A Peste do Camus.
Pensando, por fim, em referências, vale ainda – e sempre – citar a adaptação cinematográfica homônima de Pasolini, na qual são esmiuçados nove dos cem episódios constantes da obra original.
Curiosamente, o foco da adaptação de Pasolini está nos episódios de caráter libidinoso do Decameron. Dos nove episódios do filme, cinco são, basicamente, contos eróticos, como aquele no qual Musetto, fingindo ser surdo-mudo, se deixa ser seduzido pelas freiras do convento no qual trabalha como jardineiro; ou o episódio de Peronella, que esconde o amante dentro dum jarro solicitado por seu marido e tem a pachorra de mandar ver com o outro enquanto o marido limpa o vaso; o de Caterina, que, após passar a noite com seu namorado, é perdoada pelos pais porque, afinal, Ricardo é um homem de posses; o episódio de Tingoccio e Meuccio, dois amigos completamente libertinos que acreditam que serão punidos após a morte por suas peripécias sexuais e, mais tarde, numa visão, têm a crença abalada a ponto de legitimar nova investida na esfera sexual; e o conto do padre que propõe a um homem transformar sua esposa em égua, ao passo em que, na verdade, manda bala na mulher do sujeito.
Se coube ao Decameron original a classificação na minha estante da narrativa didática, a adaptação de Pasolini parece, à primeira vista, um estandarte do sexo como símbolo da liberdade.
- Como assim, bicho?
- Ah, cara, um lance tipo Sonia Braga nA dama do lotação, saca?
Brincadeira sem graça à parte, verdade é que Pasolini, obviamente, vai além da questão estritamente erótica imediata: talvez possamos interpretar o sexo, as notórias cenas nas quais predominam a nudez e as genitálias, bem como aquelas nas quais a aproximação da lente ressalta sorrisos desdentados – embora derridam os derridentes -, rostos muito caricatos, excrementos humanos e tudo quanto for enumerado ali em âmbito escatológico, como recursos capazes de resgatar o humano no homem.
Possivelmente, a indagação final ("Por que realizar uma obra, se já é tão formoso apenas sonhá-la?") de Giotto, interpretado pelo próprio diretor, ratifique a idéia do resgate. É, ali, metalingüística a inquietação eterna do artista – Pintor/Cineasta.
Entendo que, além da óbvia coincidência onomástica e temática, o Decameron de Giovani Boccaccio e o de Pier Paolo Pasolini apresentam reflexões do ido para o porvir, pelo qual, indubitavelmente, se nutre expectativa mais ou menos otimista.
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Título: Il Decameron
Gênero: Comédia
Duração: 111 minutos
Lançamento: 1971
Roteiro e Direção: Pier Paolo Pasolini
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3 comentários:

  1. Você pode não acreditar, mas minha mãe lia o Decamerão pra mim na cama, quando eu era infante, pra eu dormir.

    Mas eu mesmo nunca li o livro, nem nunca vi o filme... já li algumas noites das 1001. Desnecessário dizer que esse seu belíssimo post me inflamou a vontade de ler os livros e ver o filme.

    Pasolini (assim como Visconti) era gay. Não acho um grande mistério vê-lo enfatizar aspectos libertinários em algum filme seu.

    Ainda assim, Saramago está um ou dois universos abaixo. Aliás, qualquer post seu mesmo está bem acima do luso-ancião. Compare este teu último post, por exemplo com algum texto dele: encontra-se no teu uma verve incomparável. Não consigo lê-lo. Não há vida no que ele escreve. Ele lembra Fidel, num certo sentido...uma espécie de estado comatoso ambulante - como alguém já disse alhures.

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  2. Sincronicamente, Renascimento servindo de pano de fundo ao Classicismo, em minhas aulas da semana.

    Vou alugar, embora não possa, propriamente, recomendá-lo aos meus alunos. Um dia, eles o descobrirão.

    Alguma possibilidade intertextual com Noite na Taverna pode ser explorada.

    R.

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  3. eu gosto de camarão, mas prefiro de carne seca com cebola.

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