domingo, 30 de agosto de 2009

A Bola

Na última sexta-feira, completei duas semanas de trabalho numa escola da Prefeitura Municipal de São Paulo.
Esta rede de educação, aparentemente mais organizada do que aquela outra na qual trabalho e sobre a qual já teci uns comentários quaisquer também nesta Pobre Rima, efetivou recentemente todos os últimos aprovados no concurso realizado em 2007 e, nesta leva, virei funcionária do famigerado Gilberto Kassab.
Embora minha querida colega Marli tenha afirmado que trabalho num tal Dom José, segundo o Oráculo a escola na qual entrei fica no Capão Redondo, Zona Sul do município.
Cumpro ali vinte e três horas semanais de trabalho; três horas de atividades diversas, feito seleção de textos, preparação de aulas e correção das produções textuais da molecada, além de vinte horas de aula, nas quais cubro os professores, da quinta à oitava série do Ensino Fundamental regular, que eventualmente venham a faltar - coisa freqüente, diga-se de passagem.
Um dia desses, faltou a professora de Educação Física, única disciplina na qual, em caso de cobertura, não há acordo: os meninos têm uma energia incontrolável que a gente cansada de tudo insiste em chamar de violência, mas tenho ultimamente, cá pra mim, entendido como força motriz mal empenhada.
A despeito desta espécie de observação particular, enfim, cobrir aulas de Educação Física propondo discussões sobre poética modernista ainda não figura entre minhas maiores habilidades. Por isso, consultei a coordenadora pedagógica acerca da possibilidade de levar uma turma de oitava série até o pátio para que os meninos jogassem bola. Deu certo.
Enquanto uma turminha menos afeita à atividade física jogava Detetive debaixo da escada, desenvolvendo a musculatura ocular, a garotada mais ativa se empenhou num futebolzinho despretensioso, com quatro mochilas lançadas às extremidades da quadra onírica fazendo vez das traves.
Tudo tranqüilo até o momento em que a honesta pelada dos meninos sofreu abrupta interrupção: um deles, numa bica desmedida, lançou a bola ao teto, sustentado por canos metálicos entrelaçados, entre os quais o objeto ficou preso.
Em princípio, nosso pequeno zagueiro sofreu retaliações verbais. Na seqüência, olhares românticos foram lançados ao roliço desejo inalcançável. Depois, aquela que andava esquecida no fundo da gaveta mnemônica da molecada virou o céu contemplado na hora do aperto: o que fazer, professora?
A santa era eu. E eu, justamente naquele minuto mágico tanto reclamado pela classe docente, não fazia idéia do que fazer.
Sou um macaco: dispomos de instrumento?
Um rapaz corre até algum lugar desconhecido e volta munido de vassoura. Nesse ponto, o pessoal do Detetive já largou a brincadeira e a galera da limpeza observa, em olhares claros de reprovação, a bola, a turma, a vassoura e, obviamente, a professora desleixada.
O garoto desenrosca o pente da vassoura e joga quatro, cinco vezes, aquele pedaço de pau pro alto. E eu prevendo um homicídio culposo, um rosto caolho, o desembolso duma grana numa vassoura nova. Os colegas ofereciam, solícitos, sugestões diversas: joga mais alto! Alguém monta no ombro dele! Sobe em cima da mochila! Enrosca o pente na vassoura! Tudo acatado e a bola ali, dona da história, pilantra fazendo pouco caso de todos nós.
Em resumo, passamos cerca de trinta minutos nesse jogo até que uma mesa, um menino, uma mochila, uma vassoura e uma turma duns trinta adolescentes acabassem vencendo a partida àquele dia.
Desde que o sinal tocou, às 11:15 da quinta-feira, até agora, há algo que me encafifa e, provavelmente, me tirará o sono durante uns anos, na melhor das hipóteses: como faço pra meter, em cada aula, ali naquele vão, uma bendita Bola?...

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Memória fotográfica

A Lu, minha colega de trabalho entre as paredes da escola, propôs que desenvolvêssemos durante esse semestre um projeto interdisciplinar com base em fotografias. Nosso aluno fotografaria aquilo que, sob seu ponto de vista, é pertinente a um tema gerador específico. Pra começar a etapa da sensibilização, cada professor do grupo deverá, ao primeiro dia de aula, adiado em virtude da Gripe Suína, expôr uma fotografia nalgum canto da escola.
Hoje vim fuçar meus arquivos fotográficos e descobri que, ao contrário de vocês, eu nunca fui feliz sem que soubesse.