sábado, 20 de junho de 2009

Pisou na bola, é gol*

“nunca cometo o mesmo erro
duas vezes
já cometo duas três
quatro cinco seis
até esse erro aprender
que só o erro tem vez”
(Paulo Leminski)

Ontem meus alunos estavam loucos para fugir da escola e assistir ao jogo de futebol pela televisão.
Tem gente que gosta de futebol. Minha predileção é pela etimologia.
Provavelmente, vocês sabem o que é etimologia; entretanto, a criatura que digitou essas bem traçadas linhas – Tcharan: EU! - há de se tornar escritora de gabarito, e meus amigos, obviamente, quererão compartilhar a sucessão de letrinhas aqui com toda a sorte de gente. É, portanto, necessário recorrer ao grande Aurélio (sem brincadeira, porque a edição da qual colei o verbete é aquela revista e ampliada – pesada, além de grande)
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etimologia. [Do gr. etymología, pelo lat. etymologia.] S. f. 1. Origem de uma palavra. 2. Parte da gramática que trata da origem das palavras.
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E daí?
Daí fiquei pensando ontem na origem etimológica da expressão “pisar na bola”.
Pisar na bola” é equivalente a dar “tiro pela culatra”, figura muito usada pela minha mãe; fazer “cagada”, dita ultimamente até pelo sujeito com prisão de ventre crônica; dar “mole pra Cojaque”, preferida do Bezerra da Silva. Em resumo, “pisar na bola”, semanticamente, significa cometer um erro.
E quem nunca aprontou disso?
Ali na minha infância, encontrei exemplo: quando eu era criança pequena lá em Barbacena e o Chico Anysio ainda aparecia na Rede Globo, a pena contra quem errava, promulgada pelos professores da escola na qual estudei, era nota em tinta vermelha – maior humilhação.
Por outro lado, na hora do recreio, se eu brigava e não queria olhar nunca mais a cara do colega que não me convidou pra festa de aniversário, ou me chamou de gorda, ou puxou meus cabelos na fila da cantina, ou quebrou a ponta do meu lápis de cor azul, aqueles mesmos juízes – ou professores, que nesse caso dava tudo na mesma – obrigavam a gente a fazer as pazes e se abraçar, dando, ainda por cima, o maior sermão sobre a necessidade de pedir desculpas pelos nossos erros, relevar e perdoar os erros alheios.
Passados anos desde minha experiência escolar, tive notícias dum sujeito formidável, do qual vocês já devem ter ouvido falar, que escreveu o seguinte: “não há vida sem correção, sem retificação”.
Paulo Freire escreveu isso baseado na concepção de que cometer erros é inerente ao ser humano porque aprender é uma capacidade inexorável à nossa espécie e, como afirma a máxima, é errando que se aprende.
Se errando se aprende, acho que errar está entre as atividades mais saudáveis a praticarmos, empatando com os esportes, que, como ensinou uma professora com a qual eu trabalho, além de contribuírem com o bom funcionamento do organismo quando praticados regularmente, são atividades altamente educativas.
Essa aproximação entre erro e esporte, enquanto atividades pedagógicas, deve ter dado origem à tal expressão relativa à pisada na bola: se o Ronaldinho pisasse na bola, é provável que nunca tivesse assinado contrato milionário com a Nike - talvez isso evitasse transtornos como escândalos sobre envolvimento com travestis, mas isso não vem ao caso.
A questão é que “pisar na bola” deve ter surgido como metáfora esportiva, tendo sua origem dentro dum estádio de futebol.
E eu, que, por outro lado, sempre tive aversão à paixão desmedida da gente toda pelo futebol, passei a entender que “pisar na bola”, em sua origem etimológica e, depois, em seu sentido metafórico, é verdadeiramente o real objeto de adoração do público.
Se todos os atletas e seus times tivessem atuação impecável, não teríamos partida porque ninguém se atreveria a ir ao Morumbi ou ligar a tevê para assistir a uma encenação mecânica, sem gol porque os goleiros seriam perfeitos, sem drible porque o meio de campo seria perfeito, sem vitória porque os adversários seriam perfeitos.
Ainda não sou fã de futebol, não uso tinta vermelha contra meus alunos e hoje eu abraçaria o colega que não me convidou pra festa de aniversário, ou me chamou de gorda, ou puxou meus cabelos na fila da cantina, ou quebrou a ponta do meu lápis de cor azul - provavelmente, amarraria antes o cadarço dum tênis dele no do outro pra que caísse de queixo no chão, o que seria minha bruta pisada na bola -, afinal, entendi que todos erramos e por isso viver é muito mais divertido que assistir à aula de português da Carol.
*escrito em 18 de junho e tardiamente publicado em virtude da correria