quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Liquidez

Tinta escôo
Ano adentro
Noves fora

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Lição dum belo homem ao calor da lareira

Preguiça e umidade
Inverno vira frieira:
Coceira gostosa

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Dutra*

A primeira vez não era dia ensolarado no Recife ou noite escura em Petrogrado: ela, sobrevivente, apoiada em meio fio de razão concreta; ele, manco, escorado em muleta ideal. A segunda, a terceira e a outra ordinariamente iguais. No dia do vendaval, a casa caiu. Faltaram pernas, faltaram braços, faltaram bocas e cabelos e olhos e orelhas e unhas e ânus e sêmen e seios e sol e chuva e chão e cama e nucas e narizes e cheiros e razão e muleta. Na seqüência e mais além, extraordinariamente, o mesmo. Risco de queda era parte do jogo.
Do chão, pouco passa.
*(de 2002 em revisão)

domingo, 28 de dezembro de 2008

Predileção

Você Inverso
e prosa

sábado, 27 de dezembro de 2008

Condicional

Se cedo a ti é só
Por insistência solar
O lençol ausente

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Breve*

Ser mãe sem metáfora
Porque os girassóis não mamam
E o poema é breve

*(30/03/2003)

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Pedagogia da Opressão

Quem pelo amor não aprende
da dor toma lição,
ensinou avó à neta.

Ela virou professora.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Reminiscência Natalina

Minha árvore genealógica materna cresceu forte sobre raízes e tronco judaicos, de modos que nunca comemoramos, em casa, Natal.
Meu pai, entretanto, não é judeu e, apesar de já ter sido coroinha, nunca encontrei nele qualquer vestígio de religiosidade, excetuando as ocasiões nas quais ele dizia que era “ateu, graças a Deus”.
Sua irmã, por outro lado, tem prazer em receber meus pais, minha irmã e eu para a ceia natalina junto dela, meu tio e primos.
Tia Fátima não é carola. Topou sem neurose, por exemplo, que minha prima e o namorado dormissem juntos.
A despeito disso, eu diria que é uma católica praticante: freqüenta missa, canta no coral da igreja, guarda na cabeceira da cama o terço com o qual ora diariamente.
O aniversário de nascimento de Jesus de Nazaré na casa da Tia sempre me intrigou, especialmente em função do quadro fúnebre que eles têm na sala, com a imagem do Cristo sangrando, coroado de espinhos.
A ausência completa de formação cristã me impedia, definitivamente, de estabelecer qualquer relação entre a tortura e a comemoração.
Outro dia, contei ao meu pai que tive medo de Jesus na infância.
Ele achou graça.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

DDD 021

Os braços do Cristo
Nunca abraçaram verão
Sorte eu ser de carne

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

James, o homem de verdade - Segunda Parte

James parecera sempre, a todos aqueles com os quais tivera contato, sujeito calado e, definitivamente, não era homem dado ao palavreado frouxo.
Injusto, entretanto, dizer que fosse antipático. Não era, embora, à primeira vista, sua fisionomia o sugerisse.
Seus ombros largos cobertos de pele bronzeada, altura extraordinária, olhar vítreo e o meio sorriso, nunca dental, esboçado ali entre os cantos da boca compunham aquele ar blasè do qual a gente desconfiaria até o último de seus dias na Terra.
É certo que uns o tomassem por má figura baseados exclusivamente no despeito à sua vocação sexual inequívoca, cujo reflexo deixavam nítido suas calças baratas de algodão cru sem forro.
Tudo quanto adjetivasse nosso rapaz a este momento, enfim, desserveria, de qualquer modo, a justificar a intimação da garota a seu apartamento àquela mesma tarde, nos quatro minutos subseqüentes à trombada dentro da loja.
Ela freqüentava com assiduidade, desde a época da faculdade, bares e casas noturnas, acompanhada das amigas, e dançava, bebia, fumava com elegância, atraindo olhares e convites diversos.
Desses passeios noturnos, inclusive, decorreram alguns relacionamentos. Dois deles efêmeros, mas divertidos, além dum terceiro mais grave, no qual se manteve envolvida durante cerca de quatro anos, conjugando até noivado.
Em ocasião alguma precedente a este encontro, no entanto, acontecera de convidar tão rapidamente qualquer homem a visitar sua casa.
James foi o primeiro.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Da tempestade

Um dia não a quis sua nunca mais, e ela decidiu enlouquecer.

sábado, 20 de dezembro de 2008

Interpelação de Lídia Reencarnada*

(aos modernos todos)

Não nos sentaremos à margem do Tejo
Ou de outro rio que cruza nossa aldeia
Porque rio nenhum cruza nossa aldeia
Porque não moramos naldeia alguma

*(10/DEZ/2002)

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Desassuntagem*

Hoje, não tem conversa, meu bem.

É dia de samba
E eu hei de chorar.

*(ad infinitum)

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

James, o homem de verdade - Primeira Parte

Conheceram-se numa Sex Shop: BIG PLEASURE!, indicava, ofuscante, o neon.
Ela, obviamente, não era dessas mulheres desfrutáveis pelas quais a gente nutre repugnância e um terço de dó. Era, pelo contrário, moça direita, cheia de princípio. Tomava um uísque e fumava um baseado de quando em vez, era verdade, mas zelava pelo meio-ambiente, tinha lá uma fé ao seu modo, acreditava em ética e não votava no PSDB.
Sucede que um dia, com a mulherada do escritório - era atendente de telemarketing; e não que o fosse por falta de opção, mas, com seu british english, no Brasil, ainda parecia preferível encarar o helpdesk da HP às horas/aula na Cultura Inglesa -, fofocava sobre os homens.
Divertiam-se todas, discorrendo acerca de seus trágicos relacionamentos com toda a sorte de homem - e mulher, que Tânia, gerente, era sabidamente lésbica, embora falasse sobre seus amores veladamente, num tom sem gênero nem artigo.
Por que coxa, se bonita – perguntou alguém aos finais d’algum século ido, lembrou. Quanto a eles, eram feios se inteligentes; prepotentes se bonitos; impotentes se gentis.
Antes só e fracassada, solteirona entre sobrinhos e cunhadas e irmãos naquelas intermináveis macarronadas dominicais, percebeu-se ali uma forte. Resistira bravamente às agruras românticas pelas quais tinha passado, apesar duns quilos ganhos e soluços madrugais, enquanto a colega na baia vizinha, confessava em tom dramático, tentara suicídio duns seis jeitos diferentes numas três ocasiões.
- Homem na minha casa, hoje em dia, tem de vir com uma garrafa de Black Label, um pacote de cigarros, e ir embora antes do galo cantar, declarou Maria Luísa, a moça, aparentemente, mais dada ali.
Rindo, às lágrimas, concordou. Intimamente, no entanto, sua verdade vinha à tona e era justamente esta: sensação alguma é feito aquela provocada por uma boca desejosa ao pé do ouvido, acompanhada duns ombros largos sobre os quais a gente se recosta e desfaz.
Ao galo cantador, a colega despachada emendou a recomendação dum vibrador: Encontra-se em qualquer Sex Shop e, na hora do aperto, não há melhor consolo.
Meio pela graça, meio em função do aperto, empurrou a porta de vidro e adentrou a loja dona de si, respondendo com sorriso à autômata gemida feminina dada pelo sensor sonoro à entrada da clientela. Assim, de peito aberto, entre ícones da literatura erótica, clássicos do cinema pornográfico, estimulantes sexuais e apetrechos tecnológicos multicoloridos com utilidades inimagináveis, topou contra o ombro dele.
Seu nome era James.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Dos meus Cem Anos - II*

Nasci bibelô no verão de mil novecentos e oitenta e dois, na Boca do Lixo, como observei antes; e, excetuando escola, arroz aos pombos no Pateo do Collegio, incursões ao Cemitério Israelita e viagem anual ao Rio de Janeiro, fui criança de apartamento, por razões aparentemente óbvias.
No ano anterior ao meu nascimento, faleceu Victorio Albala, meu avô materno, vítima de complicação gastrintestinal sobre a qual não faço idéia.
Consta que, em virtude do episódio, minha avó perdera sua vocação à vida, recebendo com indiferença a notícia de que uma de suas gêmeas, casada à revelia com militante comunista pé-rapado, engravidara.
Não sei bem como aconteceu de enamorarmo-nos uma doutra. Os familiares mais dados ao romance melífluo falam largamente em amor à primeira vista. De minha parte, acredito mais noutra composição, desconhecida ou soterrada por artimanha subconsciente.
Tendo Freud abotoado o paletó, explico eu.
Na cidade de Alexandria, Fortunata fora, entre seis irmãos e uma irmã, mulher mais velha, por cujo pai, senão nutria, expressava predileção.
Acontece que, dada à adivinhação, a avó menina leu dentro duma xícara de café turco a morte do velho escrita em pó, e o ocaso, implacável feito seu primo destino, foi responsável por dar cabo ao homem no dia seguinte.
Em decorrência do trauma, sujeito algum, excetuando uma pessoa só, a ouviu falar grego, sua língua paterna, outra vez.
Durante a semana, fardada a freqüentar o banco escolar, dormi sempre em meu quarto, a uma quadra da casa de minha avó. Ao cair da tarde de sexta-feira, entretanto, meu espaço narrativo era lá.
Rua Frederico Alvarenga, número tal, apartamento tal. Não guardei o endereço da casa dos meus pais, na qual eu, efetivamente, morava, e não digo o número de telefone da Dona Fortunata porque é, ainda, senha de acesso a minhas contas bancárias.
Importa contar que nunca senti inveja das outras crianças, as quais, à rua, tinham taco, peteca, futebol e pique-esconde.

Boa memória não figura entre minhas maiores virtudes, mas lembro que a casa da Nona era mágica. E ela falava grego dormindo.

*(escrito sob contribuição valiosa de Esther Michelina Albala Habif)

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Dos meus Cem Anos - I

Cresci numa residência situada à Rua Frederico Alvarenga, no centro de São Paulo, tendo como vizinhas a Secretaria da Fazenda, cujo prédio abriga hoje o Poupatempo Sé, e a casa da minha avó.
Os edifícios antigos, que contam lá hoje seus mais de cinqüenta anos de construção, têm unidades residenciais amplas, como era o caso daquele no qual morava a Nona.
Fortunata Cantoni Albala era o nome de minha avó materna. Nascera no Egito, filha de imigrantes gregos, e assistira à emigração de seus irmãos: Oriente Médio, Europa, América do Sul.
Casada, dirigiu-se à Itália com marido e filha primogênita a tiracolo, quando a perseguição aos judeus tornou-se, no Egito, caso institucional.
Em Livorno, com já três filhas e marido, jornalista desempregado, recebeu da irmã, Estela, carta saudosa relatando as maravilhas de Pindorama. Que aqui não se morre de fome, há banana à penca. Que a baía da Guanabara parece arcada dentária completinha. Que São Paulo abriga toda sorte de gente, da egípcia à japonesa.
À recessão italiana, dessa maneira, somou-se a promessa braziliana. Razões suficientes para que a Nona embarcasse, munida de esposo, menina mais velha e as gêmeas, sem primeiro ano completo ainda, a terceira classe dum navio rumo a Santos.
Hoje, aos vinte e seis anos, não constituí imagem sólida do inferno pelo qual essa gente passou durante aqueles meses.
Parte da responsabilidade por minha deficiência imaginativa, entretanto, é da avó que me embalava o sono desafinando graciosamente uns versinhos assim:

Partirà, la nave partirà
Dove arriverà? Questo non si sa
Sarà come l’Arca di Noè
Il cane, il gatto, io e te *



*(L'Arca di Noè é uma composição de Sergio Endrigo. É possível escutá-la aqui)

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Ode ao Marasmo*

Em meio ao mar
Navega um barco
Meio ao mar

E nesse barco
Meio mar
Naufraga coração

Eu.

Que viva o mar
E vivam os náufragos

Há vida; h
á mar


*(de 1997, sob tutela do professor Fabio Weintraub)

domingo, 14 de dezembro de 2008

Hamartia*

Precisava chorar todas lamentações, mas chegou a estiagem. Estancou olhar sob quilômetros de trapos brancos envoltos à cabeça, deu de costas à cidade, criança, amor, cão; seguiu rastro da tragável poeira da estrada, sem filho-bengala, sem pouso à madrugada nem esteira para sesta. Pão amanhecido, ao desjejum asfixiava, não resistia, na boca da esfinge segunda; quisera outrora, e ainda, ser trigo. Que pra ser alimento, não sabia, tinha de prover o tudo, e não suar salgado, e não servir atentamente ao vão (seria, entanto, insólito arrependimento a altura dessas. Tenaz era crença em deus Máquina, longa escalada, injusta senda, cordão do títere. Premeditado inconsciente, sofrimento é sempre roupa ajustada ao que não sobra vontade de averiguar justo motivo de vestir capa qualquer). Desta maneira veio a si a morte, pela deglutidora maravilha desértica: entregue à bocarra monstruosa, pereceu. Dente a dente. E tantos outros cegos o gigante há de mastigar.

*(de 2002, revisto)

sábado, 13 de dezembro de 2008

Outrossim

(a Graciliano Ramos, em memória)

Fosse eu em Ítaca Penélope,
tendo reinado ameaçado,
botar mais água no feijão,

antecipando teu regresso
e tecer colcha dos mil fios,

desfiando toda madrugada.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Arado de arrasto

Desassentada, a gente marcha
rumo à noite adentro
bandeira hasteada

Um mundo de pretos e brancos
ocupa dos carros
lugar na avenida

No pé ante pé descalçado
não existe água
afugentadora

E o passo do povo oxigena
o desterramento
de cada um dos homens

Porque antes de arada essa terra
é dever do canto

tomar o seu solo

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Castidade

O celibato matou a poesia.

Foi quando o primeiro padre
enrabou
A última ninfa.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Epifania

Acorde ao piolho:
Caminha
a passos curtos
sobre a cabeça dum cristão qualquer.

Senhor, acima de todas,
INVERTEBRADO ONISCIENTE
deves ser
lêndea andarilha,
poema,
O Verbo.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Poema de ninar semente-idéia do meu filho*

À névoa branda de morno vapor
Cheiro de baunilha, creme de sonho ancestral
Produz, sob encomenda, bala de goma colorida,
Róseas bochechas e lácteos bracinhos
A fábrica etérea de um bebê imaginário.

Uma fralda-madrinha branca
Vela atentamente o sono infantil:
Nana em paz, neném, que o Bicho Papão já morreu de susto
Ao descobrir que o mundo é um móbile rodopiando
suspenso sobre seu tenro bercinho.

*(31/03/2003)

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

A Juarroz

o primeiro momento na vida é nascer,
o segundo momento é morrer.

Três momentos encerram a vida:

nascer
morrer
uma Flor.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Profecia

Do tombo, erguido
Ozônio primaveril
Renato, verás

sábado, 6 de dezembro de 2008

Justa da Infâmia Poética Medieval - I*

O Último Apelo da Donzela Sofredora

De que valem minhas rimas
Se eu não te posso haver;
Eis-me aqui escarrando versos
Sem motivos de o fazer.

Metrifico em vão intento,
Animália a rimar;
Morrendo em esquecimento,
Procurando teu olhar

Que martírio a mim consome!
Escrever e te esperar...
Vem logo, me agarra e come
Que é pra acabar com essa lengalenga, seu desgraçado.

C.

O Trote Abusado do Varão Salvador

Salvo-te! Ó minha querida
Sem sequer pestanejar.
Coloco-te em minha vida
Sonho-te num altar.

Com meu elmo e armadura,
Minha espada e meu escudo,
Defender-te-ei, ó pura,
Dos males e de tudo.

Faze-me teu primeiro,
Oh, donzela sofredora.
Tomai o fogão e a vassoura
e o tanque de roupas e fritai um ovo pra mim que eu tô com fome!

Jr.

*(Duns anos atrás, contra Manoel Jr., amigo querido)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Fração de Segunda

Soma corpos
Um quarto
De metades

Debalde multiplica-
ção: sempre partes
no final das contas

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Ciúme

Me vem essa agonia
Num repente sem demais
De não te saber como
Quando, Onde
sequer só.

E custa a ponta do cigarro
-Cinza, a única certeza
Depreender-se pó resoluto
compacto nó.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Merda*

Subconscientemente suína, arraigada àquelas tripas alheias quaisquer, doou-se ao chafurdar completo e viceral, peristalticando tortuosa e duodesordenadamente em companhia de verminoses e nós e visgos diversos ao longo do decorrer digestório de finita eternidade intrabdominal. Delgada e resolutamente entregue à involuntariedade muscular, vagou através dos intermináveis confins excretórios, apelando ardorosamente por absorção, ao que recorrentes esfincterinos nãos obteve vomitados. Fortaleza de barro, à purgação resistiu enquanto pôde, e não mais além. Bolo ao relento, flor em fécula então, descobriu-se anaeróbica. Ressurgiria, depois, alimento outro; matéria em desvairada putrefação.
*(de 2002, revisto)

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Ódio

Da última lágrima
Vaporizada
Sal.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Catábase

O Homem
é o omen
do homem