domingo, 30 de novembro de 2008

Jogo da Maria Clara

(ao pai brincante)

Pinta e borda, um de cada,
brinca, ri e nunca pára
uma menina levada
de nome Maria Clara

Olho em todo movimento
que é pra não se machucar
Clara é feito cata-vento
em rodopio no ar

Os seus olhos bem pretinhos
são dois baús de segredo
tem pipoca e passarinho,
todo tipo de brinquedo

Era uma vez, faz de conta
uma historinha assim
do começo até a ponta
só alegria até o fim

E o final é de mentira
porque a história não termina
o começo você mira

Verso em rima é sua sina!

sábado, 29 de novembro de 2008

Miragem

Por sobre teu ombro
Miro-te a ti. É verão
Nu em pele e pêlo

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Manifestação pelo Direito de Acesso à Educação

Assegurado pela Lei de Diretrizes e Bases, o direito irrestrito do cidadão à Educação não tem sido prioridade do Governo José Serra.
É isto, ao menos, o que indica a recusa da Diretora da Escola Estadual Professor Nelson Antonio do Nascimento e da Dirigente da Diretoria de Ensino de Taboão da Serra a disponibilizar vagas durante o período noturno na escola, no próximo ano letivo, a cerca de setenta cidadãos.
Alunos e alunas da EJA, no Termo IV (correspondente ao terceiro e quarto ano do segundo ciclo do Ensino Fundamental) da Escola Municipal Professora Elza Marreiro Medina, tiveram, primeiramente pela Diretora e, recentemente, pela Dirigente de Ensino, suas solicitações pelo direito a vagas na Educação em Nível Médio na Escola Estadual Professor Nelson Antonio do Nascimento negadas, em função de alegações completamente disparatadas, como a de que se trataria ali duma região erma, ou pessoas “estranhas” adentrariam o local.
Dever do Estado e Direito do Cidadão, a Educação tem sido, solenemente, negada a estes sujeitos.
Assim, os Formandos da EJA na Escola Municipal Professora Elza Marreiro Medina convidam todos ao Ato Pacífico em Favor do Direito ao Acesso à Educação no Ensino Médio, a realizar-se quarta-feira, dia 3 de dezembro de 2008, às 16:00 horas, em frente à Escola Estadual Professor Nelson Antonio do Nascimento, situada à Rua Chile, S/N, Jardim dos Moraes, Embu das Artes.
Contamos com sua participação.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Vão

Frente à pontiagudice da lança
serena, multiplico:
somos tronco, pernas
e vaso.

Ecoa o gemido d’água turva,
denso fluido de escorrer
de inundar a concha acústica.

Chá de cadeira britânico


A morte, pontual,
evade pela improvável fresta de mim.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

De filologia, autoria e falta de piscina

Épico ou Lírico, Luís de Camões figura entre laureados olímpicos. A seus Lusíadas, entretanto, sobre os quais discutiríamos se tivéssemos álcool suficiente, confesso minha predileção pelo soneto camoniano.
Sei da confissão-clichê, já que, difundida à larga, a poética camoniana caiu no gosto de nosso entusiasta apreciador do Forró da Periquita.
Este camarada foi justamente interlocutor com o qual conversava a respeito da questão importantíssima que tem, por esses últimos (cinqüenta e quatro mil) dias, tomado tempo duns filólogos cheios de assunto: a autoria contestável da lírica camoniana.
Nosso simpático Caolho da Lusitânia, feito Gregório de Mattos, W. Shakespeare, Sócrates e Homero, cheio de engenho e arte, não deixou à posteridade qualquer legado grafado por si.
Parece bobeira, e talvez seja: o problema acarretado pela inexistência de manuscritos autógrafos para o estabelecimento editorial da Lírica é o de termos baseado seu cânone sobre coletâneas que, muita vez, atribuem autoria dum poema a diferentes nomes, além do mesmo texto apresentar ampla diferença numa e noutra antologia.
Segundo Sheila Hue, doutora nessa área de tamanha envergadura científica, isso acontece porque os cancioneiros foram compostos de formas variadas: eram copiados os poemas que agradavam ao leitor, com ou sem devida autoria; transcritos, como afirma Celso Cunha, de memória, ou eram justapostas todas as versões dum mesmo poema, que agradassem ao copista.
O filólogo Leodegário de Azevedo estabeleceu aí o cânone mínimo, conjunto dos 133 poemas indiscutivelmente camonianos. Seu critério é básico. Tome nota: basta duplo testemunho quinhentista incontestável, desde que apoiado em fonte manuscrita. Para o cânone adicional, composto de 113 poemas, o critério é um testemunho manuscrito incontroverso da autoria. Finalmente, para o cânone possível, de 10 poemas, é a possibilidade da autoria à luz da crítica erudita e sua frágil contestação. Alors, voilà: tudo quanto passou pela peneira é obra de Camões.
A galera mais descolada da filologia, por outro lado, cunhou o conceito de movência, que estuda a multiplicidade das variantes dum texto em coexistência ou, conforme a douta à qual há referência anterior: “testemunha que o vigor da obra se processa justamente em seus renovados encontros com leitores”.
Sobre toda essa riqueza teórica, depreendo duas conclusões:
1) Se Camões tivesse um Macintosh, esse povo praticaria mais atividades lúdicas;
2) Nós também.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Embolada da Maturidade*

(a João Augusto, avô do Gabriel)

O menino é pai do homem
Nesse caso é seu avô
Me é querido seu pivô
Disto, nota, vocês tomem

Veio ao mundo Gabriel
Neto Augusto de João
Agora é que beberão
Na Bahia de Cecéu

João anda todo besta
Em proclamação de augúrio
Grita a Marte ou Mercúrio
Diz que a vida é uma festa

Talvez o destino grave
Os astros ou o Senhor
Por ao cordeiro amor
Tenham enviado a ave

Voadora, sorrateira
Logo escapa da gaiola
Mãe lhe nega mariola
De vovô terá o que queira

Mas a troca não é injusta
Dá o doce e toma aula
De como fugir da jaula
É o preço que baixo custa

E com seu netinho aprende
A importância do brinquedo
Vai largando de ter medo
Já a infância é o que pretende

Desperta assim a criança
No amigo adormecida
Como não fosse crescida
Brinca, pula, ri e dança

Atente a todo esse conto
É também a sua história
Há quem puxe da memória
Uns não chegaram ao ponto

Do princípio até o fim
É a lição à qual me atino
Pai do homem é o menino
Malachei ha malachim



*(ao som dum tamborim)

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Plum-Bum

(a quem o mote é de pertença)

Plúmbea, a nuvem voa.
Avoa assim, feita de chumbo.
E paradoxa, plúvea penugem,
Vagueia ao sul, algodoada.

Em treva irrompe e se diz de
Rarefeitura é feita a nuvem.
Renda no céu, fiada em pena,
Tinta de breu, bordada pluma.

É água, enfim, feito a maré
A nuvem vai, marfim sem sal.
Balão de alvura vultua o ar
Soprada lesta, à força cai.

Se em Pemba chove, é Português,
Não dá no mesmo em Bagdá.
Se japonesa a nuvem é
Do estilhaço, resquício: pó.

Refaz-se após, nublando e mais
Ave no céu, revoa a umbra.
Ao meu umbral, esbarra plúvea
Pomba de Deus, a nuvem plúmbea.

domingo, 23 de novembro de 2008

Idvertência

Ultimamente tenho demorado a pegar no sono, embarcando em divagações sem fim no cais noturno, acerca de assuntos que talvez também aflijam seres humanos parcos feito eu e, além destes, outros, que a mim só dizem respeito, e venho, inclusive, pensando sobre o interesse que, porventura, alguém tenha nessa espécie de mote, porque, afinal, se escrevo, devo ou deveria ter em vista ou mente um leitor qualquer com o qual eu pudesse compactuar, ainda que esteja, deveras, irremediavelmente só sobre meu colchão semi ortopédico, em companhia apenas de cigarros, microcomputador e uma fotografia antiga de minha avó calçada em pantufas cinzas e peludas quando era, imagino, meu primeiro inverno, mas a verdade é que escrevo, num grau patológico, cartas e poemas destinados exclusivamente a mim, levando em consideração uma verdade relativa à perspectiva e minha concepção de que sou também outros, incluindo o Senhor – e a referência é a Deus, porque creio definitivamente mais na existência independente deste sujeito do que na de um leitor onipotente, com poderes supremos sobre aquilo escrito por um homem do qual nunca teve notícia em vida; ou seja, não acredito solenemente em sua existência e tampouco, informo, na divina, embora, de fato, insista, de alguma forma lúdica, em justar contigo aqui, o que nos leva, por conseguinte, à conclusão obtusa de que não me é precisa, assim, a definição da fronteira, se é que existe uma, entre aquilo que sou e não sou mais, isto é: nalguma medida, aglutinei todo o mundo e, possivelmente, com coerência, eu seja você – eis aí o que penso de fato.
Escolhi minhas armas.